Todos contra os servidores. E pronto!

"Se preciso, botamos a sociedade contra o servidor".
Lula, presidente da República

Apesar dos habituais desmentidos do dia seguinte, à semelhança do que aconteceu com Graziano, a declaração do presidente da República, que teve o seu maior percentual de votos corporativos no funcionalismo público, funde Confúcio e Freud numa constatação macabra: há uma tendência instintiva dos homens em punirem aqueles a quem devem seu sucesso.
Desde que foi morar no Palácio Alvorada, entre serviçais solícitos e no desfrute de mordomias nunca dantes sonhadas, o ex-metalúrgico, tal como eu solitariamente vaticinara, assumiu por inteiro o figurino desenhado pelo sistema internacional, com a agravante de um suporte popular jamais acumulado por qualquer antecessor: enquanto a lufada do ópio fabricado pelo inusitado de sua ascensão se esparge sobre a massa acrítica, ele vai chancelando o saco de maldades do Banco Central e consolidando o decálogo do "Consenso de Washington".
Não há uma só palavra, uma só exclamação, diferente de Fernando Henrique Cardoso, o homem que renegou seus escritos ao atravessar a soleira do palácio. Ou se há é na acentuação para afirmar que ele, Lula, sim, tem autoridade moral para fazer o que o trêfego sociólogo não conseguiu.
Somando sua própria legenda de origem, a capilaridade dos seus militantes e o resíduo das elites dominantes há uma força invencível: até a contribuição dos inativos, cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo STF, essa nova santa aliança acha que pode impor, fazendo lembrar a prosopopéia do general Figueiredo, último rebento da ditadura.
A condenação perversa
Mais do que o surrupio dos direitos pétreos, atinge os servidores a insídia, essa campanha orquestrada que faz da categoria inimiga número 1 e responsável por todo o sofrimento de uma sociedade penalizada, à qual nada se diz sobre o quanto dela se tira para o pagamento dos serviços e do principal de uma dívida discutível, de valores impostos, forjados em negociatas ou paridos em acordos levianos, imorais e lesivos ao País.
Tenho dito e repetido: toda essa peroração pífia sobre o déficit da Previdência é um embuste. Mais o é ainda quando exibem números sobre "as aposentadorias dos servidores públicos". Como podem falar em rombo nos benefícios dos funcionários inativos se só a partir de 1993 estabeleceu-se o desconto em seus vencimentos? Se até então o Estado, por uma lógica incontestável, assumia o pagamento extensivo pelo Tesouro, segundo leis orçamentárias devidamente discutidas no Congresso Nacional?
Se mais de 70% dos inativos de hoje nunca tiveram desconto, porque era da natureza dos seus contratos, em que se baseia o cálculo do déficit? Na relação pura e simples com os servidores da ativa? E qual tem sido a efetiva contrapartida da União e dos demais entes, enquanto "empregadores" na composição do fundo da previdência dos servidores?
Não tenho mais paciência para repetir aqui simulações das ofertas dos planos privados de aposentadoria, que são expressões de um dos cinco melhores negócios do mundo, para demonstrar que a sociedade não paga um centavo a mais pela aposentadoria dos servidores, que DESCONTAM 11% DO TOTAL DOS SEUS VENCIMENTOS, SEJAM ELES QUAIS FOREM.
Mas gostaria de fazer uma pergunta inocente: se a previdência é tão onerosa, por que os bancos estão trabalhando para tomá-la do Poder Público? Por que os planos privados tiveram um crescimento de 1 para 8 bilhões de faturamento em 2002?
Tudo conforme o figurino
O presidente da República tem todas as ferramentas na mão para estigmatizar de vez o funcionalismo, para condená-lo à mesma aposentadoria miserável dos celetistas. É só repassar ordens para a militância cega, para os sindicatos que mamam no imposto sindical que o governo pode desistir de extinguir, para as igrejas que podem ser credenciadas para o repasse dos míseros R$ 50,00 destinados aos famélicos sem terra, emprego e auto-estima. É só usar a mídia eletrônica associada a interesses dos especuladores, que estão rindo de um canto a outro da boca com três aumentos da taxa de juros em menos de 60 dias (o primeiro foi em 22 de dezembro de 2002).
O "companheiro" Stanley Fischer, ex-vice-diretor do FMI, atual vice-presidente do Citibank, que anda deslumbrado com os novos governantes, pode muito bem reunir seus pares ao homem do BankBoston que se transformou no novo czar da nossa economia e custear as despesas da mobilização perversa da sociedade contra os servidores. Duda Mendonça, o verdadeiro ideólogo da nova elite, saberá dourar a pílula: "Atenção pobres do Brasil, como vocês estão no sufoco, o governo vai acabar com a injustiça - vai jogar os servidores na mesma desesperança e torná-los presas fáceis dos interesses privados".
Sorrateiramente, se pedirá à mídia que não fale nada sobre os 8 anos em que servidores federais, ativos e inativos, ficaram sem aumento salarial, reduzindo seu poder aquisitivo em 122%. Porque se isso for à baila, não haverá manipulação, nem truque, nem mágica, nem impostura, que explique aritmeticamente como pode ser tratado como privilegiado alguém que teve perdas tão brutais.
E já que estamos falando de remuneração do trabalho, nada tem a dizer o governo que teve os votos de 9 em cada 10 servidores públicos sobre o congelamento dos seus vencimentos? Nesse diapasão, o governo vai quebrar de vez os serviços públicos, entregar todo mundo aos planos privados de saúde, sucatear o ensino público em todos os níveis e transformar o Estado em "menino de recado" das grandes corporações transnacionais.
Poucos sabem que tudo isso está em perfeita sintonia com o chamado "Consenso de Washington", cristalizado a partir das formulações do economista inglês John Williams, diretor do Instituto Internacional de Economia, numa obscura reunião realizada em 1989 com os principais cabeças do sistema internacional, antecipando na capital da grande potência imperialista o que se faz atualmente em Davos, Suíça, onde Henrique Meireles quebrou a perna e Lula, a cara.
Nesse encontro fatídico, estabeleceu-se um rol de tarefas para os países mal-sucedidos da órbita de Washington, as quais ganharam a mais apaixonada adesão das novas autoridades brasileiras, que amarelaram diante do "mercado". Dentro do decálogo aprovado, o item VIII determina o desmonte da previdência pública, com o fim da aposentadoria diferenciada e a criação da previdência privada e/ou sistemas de seguros.
Criou-se uma espécie de camisa de força para qualquer governo dessa órbita. Hugo Chávez ousou sair fora, e está comendo o pão que o diabo amassou. Quando Lula assumiu, o presidente venezuelano estava encostado contra a parede. O nosso presidente, que nunca administrou nem uma cidade do interior, que nunca se preparou para ser o comandante de uma administração do porte do governo brasileiro, tarefa diluída entre outros tantos neófitos, tremeu nas bases e foi pedir conselhos ao inescrupuloso George Bush, que sacramentou Palocci como ministro da Fazenda (lembra onde ele foi anunciado?) e ainda ofereceu de quebra o Henrique Meireles, o banqueiro-padrão que serviu com denodo o BankBoston e depois, graças à promiscuidade eleitoral, ganhou um mandato de deputado federal, que não saiu barato, abrindo mão dele para ser o intocável presidente do Banco Central.
Independente dos dados visíveis que explicam essa metamorfose cruel, a leitura de fábulas de Confúcio e das análises de Freud (e outros do ramo) vai explicar toda essa tragédia, na qual escalaram como vilões e bodes expiatórios os teimosos servidores públicos deste País desértico de homens sérios e coerentes.

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