Com o servidor na forca, escondem farra dos juros

"Deixe os funcionários irem para a Justiça. Vamos aprovar o teto e que a Justiça assuma o ônus".
José Genoíno, presidente do PT
Quem tinha alguma dúvida, não pode mais se iludir: a estrela vermelha amarelou e entregou os pontos ao FMI sem o menor constrangimento. Pior: na maior arrogância, dá com as línguas nos dentes, diz um monte de sandices e aleivosias, assustando com a exibição grosseira do desconhecimento de causa, na mais surpreendente afronta ao direito, à lógica, aos números, à memória comezinha e aos brios da cidadania. Sinceramente, sem exagero, quem leu a entrevista do sr. José Genoíno, nessa segunda-feira, teve a nítida sensação da ressurreição do mais beócio dos esbirros da ditadura.
"Se o valor integral da aposentadoria for referente ao salário, é uma coisa, mas se tiver incorporado benefícios, qüinqüênios, vantagens inerentes ao exercício da profissão, não pode. Por isso defendo como princípio um teto. É um princípio político. Direito adquirido tem que ser discutido, sim. Porque, se não fosse assim, a escravidão não teria sido abolida, já que os senhores tinham direito adquirido sobre os escravos".
Antes de exprimir um sentimento legítimo sobre situações pontuais, já abolidas pela Emenda Constitucional Nº 20, o presidente do PT revela a índole totalitária de sua súcia, num aviso macabro: daqui para frente a própria Constituição poderá ser sistematicamente atropelada e quem se considerar ofendido que vá se queixar ao bispo.
O que mais assusta no discurso da capitulação é o abuso dos subterfúgios. Enquanto abre fogo contra os servidores e os aposentados, procurando destilar um ódio "regressivo" muito mais perverso do que o do sociólogo, fecha os olhos marotos para o grande crime que se perpetra contra a sociedade brasileira, especialmente contra as forças produtivas: todos os dias o nosso Erário está perdendo nada menos de R$ 500 milhões na ciranda especulativa. Só em janeiro, o Governo Lula morreu em R$ 17,6 bilhões para pagar juros, o mesmo valor do alegado déficit do INSS em todo o ano de 2002 (incluindo os gastos com assistência social, aposentadoria rural e saúde).
As "razões" da capitulação
Por que será que o governo está pianinho com essa extorsão especulativa ao gosto do "mercado"? De forma patética (e inacreditável) o Presidente da República declarou com todas as letras, diante da bancada de deputados do Rio de Janeiro: "Fico angustiado cada vez que SOU INFORMADO de que os juros têm de aumentar mais meio por cento". Segundo Vicente Nunes, do CORREIO BRAZILIENSE, o Chefe do Governo admite que tal política contraria tudo o que sempre pregou em suas campanhas.
Essas confissões sugerem a existência de uma gerência poderosa movendo os cordões do poder. Se for o caso, a investida brutal das estrelas da nova elite contra os servidores não ficará por aí. Com efeito, nos últimos 17 anos, o Banco Mundial bancou "reformas" privatizantes da previdência em 36 países, com 70 empréstimos que totalizaram 7 bilhões e meio de dólares. Num relatório, em 1994, sob o título "Averting the Old Age: policies to protect the Old and promote growth", o Banco Mundial sintetizou sua proposta de desmonte da previdência pública e recomendou:
"O ônus fiscal das pensões públicas e o fosso crescente entre as pensões do RGPS (sistema INSS) e RJU (servidores públicos) devem ser divulgados POR MEIO DE UMA CAMPANHA ESTRATÉGICA DE COMUNICAÇÃO a fim de gerar apoio para a continuação das reformas entre aqueles que ganhariam mais com elas - os jovens, o setor privado e os pobres". Por que essa desastrosa capitulação? Por que a estrela vermelha amarelou?
Um certo José Luís Fiori, tentando justificar a inversão das propostas e citando até o falecido Friedrich Engels (signatário do Manifesto Comunista de 1948 junto com Marx), não teve como esconder: "Não há dúvidas que a política econômica do governo anterior foi mantida, como uma forma de evitar a crise anunciada, para o início do Governo Lula e como uma postura defensiva de quem teme uma retaliação imediata dos mercados ou agentes financeiros.
Mas, sobretudo, sua manutenção se deve a uma herança financeira e cambial que pende como uma guilhotina, num contexto institucional de abertura e desregulamentação dos mercados, deixando o governo numa posição de extrema fragilidade.
NESTE SENTIDO, PODE-SE AFIRMAR QUE HOUVE UMA VITÓRIA INICIAL DAS TAIS FORÇAS DO MERCADO no jogo de braço com o projeto de mudança do Governo Lula".
A era dos subterfúgios
É como corolário dessa sujeição aos caprichos dos especuladores financeiros que se valem de bravatas em que ameaçam rasgar a Constituição para "punir" os servidores e aposentados, numa campanha semelhante à AIDS: primeiro desmoraliza, depois mata. Quando exibe benefícios exagerados, o sr.
Genoíno não cita alguns parlamentares, como o Presidente do Senado, José Sarney, que recebe mais de R$ 25 mil, com a soma de várias aposentadorias, a primeira das quais aos 46 anos. E finge desconhecer a Emenda Constitucional n° 20, que já limitou as aposentadorias aos vencimentos dos ministros do STF e um conjunto de leis em vigor, que batem cabeças em tentativas alopradas de golpearem os servidores e os aposentados em todas as direções.
Assim também, deixou-se infectar por uma estranha amnésia sobre a verdadeira natureza do déficit e da impossibilidade ostensiva de estabelecer parâmetros, considerando que o próprio Estado não tem cumprido sua contrapartida - enquanto empregador e enquanto Tesouro. Da mesma forma, como está jogando para a "guilhotina do mercado", omite o prejuízo que a fixação de um teto causaria hoje, em termos de arrecadação, afetando ainda mais as contas.
Esconde ainda que, paradoxalmente, muitos empregos de funcionários celetistas foram transformados em cargos efetivos, como meio de economizar pela suspensão dos recolhimentos ao INSS. Fecha os olhos, ademais, para a crescente terceirização de pessoal, expediente que permite o clientelismo e a proliferação de propinas.
Finalmente, vira as costas largas para a obrigação do Estado de pagar decentemente seu pessoal, conservar o regime inspirado numa filosofia segunda a qual os servidores têm um papel essencial na sobrevivência da nacionalidade, porque devem serviços à sociedade e não ao mercado, e priorizar os compromissos com os serviços públicos e não com os especuladores, tal, como aliás, constava dos discursos antes da flamejante estrela vermelha amarelar.

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