Resposta ao deputado Roberto Brandt

Senhor Deputado Federal Roberto Brant,
Normalmente eu não respondo aos insultos desferidos em momentos raivosos, por pessoas que se apaixonam cegamente por um tema e perdem a competência para sustentar um debate de nível intelectual regular. Mas, ao ler a sua entrevista ao jornal Gazeta Mercantil do dia 23/06/2003, sobre a Reforma Previdenciária, foi impossível conter a indignação, própria de quem possui sangue de ex-lavrador, originário de família pobre e numerosa, mas respeitada pela honestidade, pela dedicação plena ao trabalho e pelos valores e princípios que cultivamos junto à comunidade.
No começo julguei que se tratava de um golpe bem maquinado por um político matreiro, tentando fomentar a ruptura da ordem institucional, com o objetivo de instalar o caos no país e enfraquecer o governo. Afinal, V. Excia. pertence à oposição. Ou não?
Porém, embora sua biografia autorize esse raciocínio, logo percebi que a sua intenção foi a de se aproximar do núcleo do atual governo, a fim de manter a marca que sempre caracterizou a sua vida pública. Deduz-se, inclusive pelo teor de sua entrevista, que V. Excia. age conforme as conveniências políticas. Por isso trocou tantas vezes de partido político: PP, PMDB, PRS, PTB, PSDB e PFL. E a sua tática tem rendido bons frutos. Os cargos que V.Excia. conseguiu exercer sempre ocorreram em função da sua habilidade em agradar políticos profissionais. Essa proximidade com os políticos mineiros rendeu-lhe inicialmente a presidência da Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais. A nossa MIinasCaixa, que muitos afirmam V.Excia. ajudou a quebrar. Quantos empréstimos a pessoas ligadas à política foram autorizados durante a sua gestão, mas que eram inadimplentes contumazes! A sua gestão no BDMG também foi lastimável, porque, segundo se afirmou na época, V. Excia. fez uso exclusivamente político de um importante Órgão de fomento ao desenvolvimento mineiro. E pensar que estamos sendo criticados de forma agressiva por alguém que administrou mal os recursos públicos, ganhando um alto salário do povo mineiro.
Todos falam que o Estado de Minas Gerais está falido, ou seja, não consegue o equilíbrio entre receitas e despesas. E é verdade. Seguramente, Minas Gerais é hoje o Estado que mais apresenta dificuldades orçamentárias. Mas V. Excia. foi Secretário de Fazenda do governo de Minas Gerais no período de 15/03/1991 a 31/03/1994. Foi um período suficiente para demonstrar competência. E novamente V. Excia. foi reprovado, pois continuou auferindo alta renda suportada pelo povo mineiro e não foi capaz de resolver o problema do desequilíbrio das contas estaduais, mesmo sendo o titular do cargo mais importante abaixo do governador. Aliás, segundo avaliações técnicas, a situação de Minas ficou mais agravada com a sua gestão.
E agora, Senhor Deputado, será mais uma vez mera coincidência? De novo ouvimos a mesma conversa. Todos falam que a Previdência Social está falida e que, por essa razão, a reforma previdenciária precisa ser aprovada. Sabe o que é sentir, por um momento, aquele limite entre o trágico e o cômico? Não sei se é terrível ou engraçado. Acontece que V.Excia. acabou de vir de lá. O que V. Excia. aprontou desta vez? Conforme pude constatar, há uma unanimidade dentre os servidores da Previdência Social: todos acham que V. Excia. foi o pior ministro da história daquele Ministério. Sobre a sua administração naquele Ministério tenho certeza pelo menos do seguinte: não apanhou os fraudadores; não cobrou os sonegadores; ajudou a anistiar com o REFIS os fraudadores, sonegadores e os inadimplentes contumazes; não executou programas de fiscalização, porque na sua visão os Auditores Fiscais são apenas espantalhos para assustar os contribuintes; não permitiu que prosseguissem as auditorias sobre as famosas Entidades Filantrópicas (que os Fiscais apelidaram de Pilantrópicas); e por aí vai. É uma longa lista de não fazer, que demonstra incompetência. E ninguém pediu para V. Excia. devolver as remunerações.
Mas, por outro lado, podemos afirmar e facilmente provar, a Seguridade Social no Brasil é tão forte e produz altos superávits crescentes, que está imune até mesmo às más administrações. Portanto, leia o conselho do juiz aposentado Dr. Sacha Calmon no Correio Brasiliense: não venham com mentiras sobre a falência da previdência social, porque os servidores públicos conhecem as contas muito bem.
V. Excia. disse que os servidores públicos passaram a descontar para a previdência pública somente a partir de 1993. Por quê tanta mentira? Eu posso esfregar-lhe na cara os meus contracheques onde constam que eu tive descontos para a previdência social pública desde 16/02/1982, quando ingressei no serviço público, através de Concurso Público, e não somente a partir de 1993. Os descontos a título de previdência sobre os vencimentos dos servidores públicos remontam ao ano de 1835, quando o Regente Feijó ? na menoridade de D. Pedro II ? o instituiu através de um Decreto de 10/01/1835. A partir de 1938 foi batizado de IPASE e em 1977 foi incorporado ao SINPAS. E não vou ficar explicando para onde foi desviado esses recursos bilionários, pois V.Excia. e todos os políticos sabem, embora finjam o contrário.
Pelo cálculo atuarial, provamos que o desconto de 11% sobre o vencimento de qualquer servidor público, aplicado com a menor rentabilidade do mercado, propicia, após 35 anos, recurso financeiro suficiente para pagar a aposentadoria integral do mesmo servidor por 20 anos. Não há dúvida alguma de que o sistema previdenciário público brasileiro é superavitário, motivo pelo qual os banqueiros internacionais não conseguem disfarçar a extrema ansiedade para abocanhá-lo. Sabemos que existem vários políticos e até sindicalistas nesse esquema, conforme denunciou o jornalista Jorge Cardoso da Silva. A empresa de consultoria GLOBAL PREVI está por traz disso tudo. V.Excia. tem alguma participação nessa maracutaia? V.Excia. por acaso leu o artigo de Martine Bulard, traduzido por Getúlio Gracelli, no LE MONDE DIPLOMATIQUE de maio/2003, sobre os escândalos financeiros praticados pelos Fundos de Pensão? Daqui a pouco o Movimento em Defesa da Previdência Social e do Serviço Público estará lançando o livro "A face oculta da reforma previdenciária", de Magno Mello, que denuncia o vínculo das autoridades "pensadoras" da reforma, com os fundos de pensão.
Por acaso V.Excia. e os demais deputados e senadores que estão a favor dessa Reforma, acham que poderão enganar o povo o tempo todo? A maioria do povo, que não entende nada dessa proposta, está a favor porque a mídia não permite a discussão aprofundada e séria. A maioria pensa que uma vez punidos os servidores públicos, o reino da fantasia será instalado no Brasil. Começará, então, o espetáculo do crescimento! O mundo vai se surpreender com as relações de Brasil e Estados Unidos! E Deus descerá dos céus ou enviará um príncipe baixinho e de penas curtas para retirar o livro Apocalipse da Bíblia Sagrada. Aí nós estaremos revivendo o paraíso como se houvese uma segunda chance para Adão e Eva. Mas, se conseguirem passar uma proposta de tal envergadura, nessa correria e a toque de caixa, V. Excia. e os demais políticos podem esperar a cobrança por resultados imediatos. Além do mais, V.Excia. e os demais políticos acham que os servidores públicos, profundamente prejudicados, ficarão resignados para sempre?
Na entrevista, V. Excia. atacou o poder judiciário e atacou o trabalho de várias carreiras profissionais do serviço público. Acho que a Administração Superior de cada Órgão Público agredido tem obrigação de dar a resposta, assim também os Sindicatos. Mas vou destacar apenas dois itens da sua entrevista, que afetam o meu trabalho:
"O Estado brasileiro se modernizou muito. As empresas recolhem os tributos diretamente no banco. As pessoas fazem declaração de Imposto de Renda pela Internet. A paralisação não interrompe, em nada, o fluxo da receita. Quando ministro da Previdência Social, enfrentei uma greve no INSS que durou muitos meses e não causou nenhum problema grave."
"Eles ficarão um período em greve, não receberão salários e então, veremos quanto tempo conseguirão ficar parados. Você acha que a receita do Estado ocorre só porque as receitas federal e estadual estão em funcionamento? Os fiscais são apenas instrumentos de persuasão. O número de fiscais é insuficiente para visitar cada empresa brasileira de dez em dez anos. Uma greve da Receita em nada altera a arrecadação."
Senhor Deputado, essa visão tacanha é deplorável. Francamente, é cansativo e há perda de tempo em ficar explicando o óbvio para quem não entende do assunto. Verifica-se que V.Excia., ao menos, reconheceu que o Estado brasileiro se modernizou. E não é só isso. V.Excia. reconheceu que modernizou muito. É verdade. Mas, a modernização não acontece por mágica, nem cai do céu como o maná. A sabedoria e a criatividade do servidor público brasileiro é que promoveram a modernização. Uma pessoa bitolada não enxerga isso e, conseqüentemente, desconhece até os projetos que estão em andamento. O serviço público no Brasil é tecnologicamente superior ao dos demais países do mundo, inclusive de países do primeiro mundo. São eles que nos procuram para analisar os nossos avanços. Basta lembrar o exemplo da nossa urna eletrônica em comparação ao atraso do sistema de apuração de votos nos E.U.A. Com relação aos demais serviços públicos, principalmente os desenvolvidos pela Receita Federal, os quais eu conheço bem, nós temos conseguido avanços consideráveis, ultrapassando todos os países em tecnologia. Somos reconhecidos no exterior e temos orgulho disso.
E as declarações do imposto de renda? V. Excia. acha que a entrega delas pela Internet se dá por osmose ou telepatia? Lastimável que V. Excia., um ex-Secretário de Fazenda e ex-Ministro, não reconheça que é uma equipe de servidores da Receita Federal que constrói todos os programas geradores de declarações. Lastimável que V. Excia. não saiba que os serviços pela Internet requerem assistência técnica contínua. Lastimável que V Excia. não saiba que se o governo optasse por contratar esses programas junto à iniciativa privada, cada um deles custaria aos cofres públicos mais de R$8 milhões a cada ano. As despesas, somente nesse item, poderia custar mais de R$1 bilhão ao Tesouro Nacional. Lastimável que V. Excia. não reconheça que o fato de um Auditor Fiscal visitar uma empresa somente a cada 10 anos é culpa da política de desmonte do serviço público praticada desde o governo Collor, inclusive com a sua participação. Lastimável que V.Excia não reconheça que, mesmo com o quadro totalmente sucateado, os servidores públicos da Receita Federal ainda conseguem atingir um significativo número de empresas, utilizando a tecnologia. Lastimável que V.Excia não reconheça que as multas de ofício lançadas pelos Auditores Fiscais da Receita Federal são suficientes para pagar mais de 14 vezes os seus salários, isso sem considerar o próprio imposto/contribuição, os juros de mora e os pagamentos provenientes do efeito derivado das ações fiscais. A paralização da Receita Federal afeta a arrecadação a médio e a longo prazo, mas já provoca problemas no curto prazo devido aos institutos da decadência e da prescrição.
Pela sua entrevista, V.Excia. acha que o Brasil não necessita de Receita Federal, nem de Receitas Estaduais. Isso soa muito esquisito. Como se explica o fato de países desenvolvidos não abrirem mão de enormes e eficientes quadros de fiscalização? A Alemanha, país muito menor que o Brasil, possui 100 mil fiscais somente nas fronteiras. Os Estados Unidos possuem 200 mil fiscais. E o Brasil? Nós somos pouco mais de 6 mil auditores fiscais e pouco mais de 6 mil técnicos, com um número irrisório de pessoal de apoio, para todas as obras, em um país continental e repleto de diversidades. Mas, pelo que transpareceu em sua entrevista, V. Excia. está dentre aqueles que apreciam essa situação.
Sabe o que mais me aborrece? Eu, igual a tantos outros colegas, que somos originários das camadas mais pobres da população, que estudamos com muita dificuldade, que trabalhamos muito desde muito cedo, que vimos no serviço público um futuro melhor, que compreendemos o serviço público como o exercício da cidadania, que nos orgulhamos de pertencer a carreiras administrativas e a carreiras profissionais, todas essenciais ao Estado forte e soberano, mesmo que V. Excia. pense que isso era coisa de Rússia czarista;
Sabe o que mais me aborrece, Senhor Deputado?
Não é ser criticado por um Deputado que usa a política para aplicar a Lei de Gérson e procurar tirar vantagem em tudo. Não é ser criticado por um Deputado que exerceu funções somente em contraprestação a favores políticos. Não é ser criticado por um Deputado que auferiu altos rendimentos públicos sem ser punido por sua incompetência administrativa.
O que mais me aborrece é ver esse Deputado designado, mais uma vez, para um papel importante por um governo que julgávamos ser a esperança dos trabalhadores. O que mais aborrece é ouvir Deputados da própria base trabalhadora repetir as mentiras sobre a necessidade da reforma previdenciária com a cara lambida, julgando que somos idiotas. O que mais aborrece é ver Deputados, que parecem sérios, dar palestras sobre a PEC 40, repetir as mentiras e não ter a coragem de abrir o tempo para debate.
Para concluir, deixo uma mensagem para V. Excia. refletir, na linguagem que V. Excia. e os demais Deputados que apóiam cegamente o governo entendem muito bem: Nós somos cerca de 24 milhões de servidores públicos ativos/inativos no Brasil. Nós podemos atingir quase metade da população brasileira. Nós conseguiremos nos organizar. Nós nos comunicaremos com regularidade. Nós rebateremos cada artigo que for publicado em qualquer jornal do país. Nós faremos palestras e seminários no país inteiro. Nós poderemos eleger o governo e o congresso que quisermos. Nós poderemos afetar a grande mídia, mesmo a poderosa Globo, pressionando os seus patrocinadores por meio do boicote aos seus produtos. Nós apenas queremos imparcialidade. E teremos poder suficiente para atrapalhar a eleição de quem quer que seja. E se a reforma passar, o que nós duvidamos, a nossa união será ainda maior. A nossa capacidade de coordenação não deve ser subestimada.

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