Reforma da Previdência

1) Introdução
De uma hora para outra, a Reforma da Previdência tornou-se a panacéia brasileira, a solução de todas as mazelas da sociedade. Os servidores públicos, por outro lado, tornaram-se os grandes vilões do país. A opinião pública é induzida pelo governo a acreditar que os "privilégios" dos servidores são responsáveis pelo grande problema social deste país. Ora, ao ingressar no serviço público, o servidor simplesmente assina um contrato de adesão proposto pelo governo e que agora este mesmo governo quer quebrar.
O que mais choca nesta história toda é a forma irresponsável e negligente com que o governo tem tratado o assunto. Exige a reforma rapidamente e não se preocupa em averiguar, ou talvez não queira averiguar, quais são as reais falhas do sistema. Uma reforma séria e calcada no interesse público só pode ser feita de maneira racional, isto é, com argumentos lógicos e dados; e não de maneira sensacionalista e demagógica, como a tem tratado tanto o governo como a imprensa.
De concreto, em toda esta história de reforma, somente o duplo objetivo do governo em promovê-la: (1) privatizar o sistema, rendendo-se aos interesses dos grandes conglomerados financeiros, ávidos por colocar as mãos em mais esta bolada, afinal de contas a concentração de renda é um dos pilares do capitalismo; (2) desviar a atenção da opinião pública para a verdadeira grande mazela deste país que atende pelo nome de juros (da dívida). Enquanto no ano de 2002 a previdência desembolsou 70 bilhões de reais, beneficiando cerca de 74 milhões de brasileiros (IBGE), os juros da dívida engordaram as contas de uma dúzia de banqueiros em mais de 100 bilhões de reais.

2) Histórico do modelo previdenciário brasileiro no setor público
Qualquer estudo sério sobre a reforma da previdência deve, obrigatoriamente, iniciar-se pela análise do Estado e do Serviço Público e do papel deste dentro daquele.
Em recente artigo em sua coluna na Folha de São Paulo, em 19/01/2003, Jânio de Freitas afirmou "...uma reforma séria da Previdência não se fará sem alguma noção do que é serviço público e do Estado e seu papel. A iniciativa privada não faz um país, no sentido de vida social e econômica organizada. Só o serviço público pode fazê-lo. Os estudos sobre a recuperação da Europa, da devastação do pós-guerra ao bem-estar de hoje, sem igual no mundo, demonstram que o êxito não se explica pelo Plano Marshall, mas pelo papel decisivo do serviço público e pela função atribuída ao Estado naqueles novos ou restaurados regimes democráticos."
E prosseguiu: "nos países adiantados compreende-se que a Previdência pública não se auto-financia. Seus déficits são de responsabilidade do Estado, cujo poder de arrecadação destina-se a prover os fatores todos de bem-estar social. Sejam a segurança, o transporte, o urbanismo, a aposentadoria, a assistência médica. Por isso, em alguns países onde o déficit da Previdência alcançou dimensão perturbador, por exemplo Espanha e Itália, foi tratado com uso dos amplos meios de arrecadação do Estado. Nos dois países citados, aliás, a Previdência constitui o maior gasto relativo no Orçamento, sem falarmos em Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e outros paraísos feitos pela compreensão dos impostos, sobretudo o de renda, como fatores de justiça social."
Faz-se importante, portanto, definir o modelo previdenciário adotado no Brasil.
Até 1992, o pagamento das aposentadorias do setor público era considerado um ônus do governo, tal qual o pagamento dos salários. Portanto, não existia a contribuição obrigatória para a aposentadoria nos moldes atuais e, assim, grande parte dos aposentados de hoje jamais contribuiu para o sistema. Segundo o economista Raul Veloso, a aposentadoria integral sem contribuição foi uma criação de Getúlio Vargas para estimular o ingresso no serviço público, devido aos baixos salários pagos pelo governo na época, em comparação ao mercado. Portanto, não havia dificuldades em pagar aos poucos e baixos salários de aposentados que existiam. No entanto, o serviço público criou novas carreiras e aumentou os salários. "Existem um milhão de aposentados e um milhão de ativos. Um paga e outro recebe. Não dá certo, porque se arrecada muito menos do que o salário integral que o inativo recebe"
Em 1992, o governo alterou o modelo, instituindo a contribuição obrigatória do servidor público, à época de 8%, passando em 96 para 11%. Entretanto, o governo esqueceu-se de se obrigar a recolher a cota patronal nos mesmos percentuais da iniciativa privada. Senão vejamos: na iniciativa privada, o trabalhador contribui com um percentual variável entre 7,65 e 11% sobre o teto atual de R$ 1.561,56 e as empresas entram em regra com mais 20% sobre o total da folha de pagamentos a título de FPAS (Fundo de Previdência e Assistência Social), 1 a 3% a título de Seguro de Acidente do Trabalho, 5,8% a título de contribuição para Terceiros (Sesc, Sesi, Senar, Incra, etc.) e 8% a título de FGTS. No setor público, o servidor contribui com 11% sobre os seus vencimentos integrais e o governo entra, em tese, com outros 11% (não computados nas contas oficiais).
Sobre isto, em artigo publicado no jornal "O Globo", em 06/12/2000, Francisco Eduardo Barreto de Oliveira, mais conhecido como Chico Previdência, pesquisador do IPEA, escreveu: "... é bom parar e pensar um pouco. Se até 1993 a aposentadoria era concedida gratuitamente, formou-se um estoque de aposentados que, na maior parte, continua vivo até hoje. Querer cobrar dos atuais funcionários ativos esta conta, definindo-se como déficit a diferença entre as contribuições de um ano e o estoque acumulado, foge a qualquer princípio de lógica elementar. Para se chegar a este resultado, basta que se raciocine por absurdo, supondo-se que, daqui para frente, nenhum funcionário público seja contratado pelo RJU. Neste caso, o último funcionário público ativo teria que pagar uma alíquota de centenas de milhares por cento para sustentar todo o estoque de inativos".
E prosseguiu "os erros do passado - ou seja, a amortização do estoque de aposentadorias já concedidas e os direitos em aquisição daqueles que, embora ainda não aposentados, trabalharam sob a regra antiga não contributiva - teremos de pagar todos enquanto sociedade brasileira. A menos que se queira cobrar dos inativos os custos de seus benefícios, o que, salvo melhor juízo, afronta o elementar princípio de que a lei não pode retroagir a não ser para beneficiar".

3) O que mais o governo esconde
3.1 O déficit atribuído à Previdência Social é na verdade um déficit da Seguridade Social, que engloba Previdência Social, Assistência Social e Saúde.
3.2 Há várias contribuições criadas para financiamento da Seguridade Social, entre elas a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) cujo produto da arrecadação deveria ser convertido para o sistema e não é. Em 2001, por exemplo, dos 71,8 bilhões de reais arrecadados com estas contribuições, apenas 35,6 bilhões foram repassados à Seguridade Social. E para onde foi o resto? A resposta mais provável está no item 2 do 3º parágrafo deste texto.
3.3 Milhões de brasileiros se encontram na informalidade, sem contribuir para o sistema e mais tarde terão que ser assistidos , como já o são de alguma forma, pelo governo. Esta situação foi agravada pela constituição cidadã de 1988 que organizou a seguridade social visando a universalidade da cobertura e do atendimento; ou seja, diversos brasileiros que antes contribuíam para o sistema previdenciário, uma vez que a contribuição era a garantia de atendimento médico-hospitalar, simplesmente pararam de contribuir.
3.4 Tanto o setor público quanto o privado possuem dívidas para com a previdência. Segundo dados da Associação Nacional dos Servidores da Previdência Social (ANASPS), a dívida de difícil cobrança passa dos 150 bilhões de reais.
3.5 Conforme já dito, o governo não contribui para o sistema com cota patronal equivalente à que são obrigados os empresários e nem mesmo computa o valor a que está obrigado nos dados oficiais que publica para chegar ao seu propalado "déficit".
3.6 Uma quantia que alcança a cifra de bilhões de dólares foi desviada do sistema. A Previdência financiou, entre outros, a construção de Brasília, da Trans-amazônica, da ponte Rio-Niterói, o nascimento dos planos de saúde privados, etc.
3.7 Cerca de 5 milhões de agricultores recebem benefícios sem nunca ter contribuído para o sistema. Em 2002, este déficit foi da ordem de 15 bilhões de reais e foi computado na conta da Previdência Social, embora trate-se, em verdade, de Assistência Social.
3.8 Na verdade não existe déficit na Seguridade Social. Computem-se as contribuições que lhe são devidas e a cota patronal e a conta torna-se superavitária. Vejamos:

RECEITAS E DESPESAS DA SEGURIDADE SOCIAL SALDO AGREGADO- RGPS+RJU/2001 (EM R$ BILHÕES)
I - RECEITAS 2001 Receita previdenciária líquida 62,491 Outras receitas do INSS 0,618 COFINS 45,679 CSLL 8,968 CPMF 17,157 Concurso de prognósticos 0,521 Receitas próprias do Ministério da Saúde 0,962 Outras contribuições sociais 0,481 TOTAL DAS RECEITAS 136,877

II - DESPESAS 2001 Benefícios pagos 78,697 Saúde 21,111 Assistência Social Geral e Defesa Civil 1,875 Custeio e Pessoal do MPAS 3,497 Ações do Fundo de Combate à Pobreza 0,233 TOTAL DAS DESPESAS 105,413 SALDO FINAL Superávit de 31,464 FONTES: SIAFI E FLUXO DE CAIXA DO INSS (DADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL)

3.9 Como vimos não existe déficit nas contas da Seguridade Social. Mas, mesmo se analisarmos o déficit fabricado pelo governo (para inglês ver e a sociedade comprar), ele não está "explodindo", como diz o governo. Na verdade, ele não está fazendo nada mais, nada menos do que acompanhando a inflação. Esta sim, começa a "explodir"; assim como a arrecadação federal (quadro abaixo). E onde está este dinheiro? Voltemos novamente ao item 2 do 3º parágrafo deste texto. O fato real é que o governo não consegue segurar a inflação e diminuir a taxa de juros. E aí está a grande bolha que suga todos os recursos deste país. Destaque-se que, mesmo com este crescente déficit fabricado da Seguridade Social (em termos nominais) o superávit primário é cada vez maior e esta é a prova incontestável de que o problema são os juros e não a seguridade ou a previdência. 1999 2000 2001 2002 Déficit da Seguridade Social fabricado pelo governo (Bilhões de R$) 45,4 55,1 63,0 71,4 IGPM (%) 20,10 9,95 10,37 25,31 Arrecadação da Receita (Bilhões de R$) 151,51 176,81 196,70 243,00 Contribuições para a Seguridade (grande parte desviada do sistema ): COFINS, CPMF, CSLL (Bilhões de R$) 45,62 51,40 71,80 87,2 Tabela 1: dados oficiais

3.10 Vejamos agora a conta que o governo faz para fabricar o "déficit" da Seguridade Social, sem o repasse das contribuições (COFINS, CPMF e CSLL) e sem o cômputo da cota patronal:

4) Com a palavra os servidores públicos
Por outro lado, necessário se faz admitir que os servidores públicos têm reagido de maneira bastante emocional à proposta de reforma do governo, o que é compreensível, face ao fato de terem sido vítimas do maior calote eleitoral da história deste país; isto é, compraram a ideologia que foi vendida durante a campanha eleitoral e uma outra assumiu o poder. Assim, há argumentos frágeis que estão sendo usados pelos mesmos para mostrar a viabilidade do sistema. São os famosos cálculos atuariais. Esta abordagem do problema não é muito recomendável, pelos seguintes aspectos:
1. O cálculo é sempre feito considerando-se um salário fixo, sobre o qual o servidor não contribui a vida inteira, uma vez que, descontada a inflação, o servidor tem progressões funcionais ao longo de sua carreira que engordam gradativamente seu salário.
2. As taxas de juros usadas no cálculo são, muitas vezes, fantasiosas. No ano passado, por exemplo, o IGPM rendeu mais que o CDI. Portanto um regime de capitalização pelo CDI descapitalizou-se, em verdade.
3. O governo não pode ser comparado a uma instituição financeira para fazer render o dinheiro arrecadado a taxas astronômicas. Em verdade, quando o dinheiro entra nos cofres públicos ele é imediatamente usado para pagamento de algum gasto emergencial e não depositado em algum fundo ou emprestado a determinada taxa de juros em favor dos servidores. Muitas vezes, ele é imediatamente usado para pagamento de juros, frutos da exorbitante taxa instituída pelo próprio governo, ou para o pagamento das aposentadorias, principalmente porque não houve a formação de um fundo que pudesse garanti-las. Portanto, ao contrário de capitalizar o dinheiro da previdência, o governo faz o favor de descapitalizá-lo.
4. O governo é, historicamente, um péssimo administrador de recursos.
Outros argumentos, tais como o do desvio de verbas para a construção de pontes, estradas, cidades e fins diversos, também não ajudam muito, sendo meramente ilustrativos. Aconteceu mesmo, mas o importante é: e agora?

5) A Reforma da previdência já ocorreu
Há, entretanto, argumentos bem mais sólidos, lógicos e convincentes que podem ser usados. E eles consistem em mostrar à sociedade e, sobretudo aos parlamentares, que a reforma da previdência já ocorreu. E ela se deu em 2 etapas: (1) a instituição do modelo previdenciário contributivo em 1992 e (2) a exigência, instituída em dezembro de 1998, da idade mínima de 60 anos para os servidores e 55 para as servidoras se aposentarem, cumulativamente com 35 anos de contribuição para aqueles e 30 para essas.
Portanto, o necessário agora são pequenos ajustes no novo modelo previdenciário brasileiro, de forma a torná-lo mais sólido e auto-sustentável.
Vejamos: segundo o IBGE, a expectativa de vida do brasileiro atualmente é de 68,9 anos, sendo de 65,1 anos para os homens e de 72,9 anos para as mulheres. Assim, o sistema se auto-ajustará com o tempo e se tornará ainda mais superavitário. Isto porque, a relação entre ativos e aposentados, que era de 7 para 1 até a década de 60 e que caiu para menos de 2 para 1, tomará rumo inverso agora.
Pelas regras atuais, os homens contribuirão por 35 anos (no mínimo) e gozarão o benefício por apenas 5,1 anos, considerada a expectativa de vida acima; já as mulheres, pelas regras atuais, contribuirão por 30 anos (no mínimo) e gozarão o benefício por 17,9 anos. Sobretudo no primeiro caso, há de se acrescentar mais algum tempo relativo às pensões de dependentes dos servidores; entretanto, isto não deverá ser muito significativo, dada a idade avançada de aposentadoria dos titulares.
Analisemos, assim, o que tem ocorrido com o sistema da Seguridade Social após a mudança instituída em dezembro de 1998, tomando como fator de comparação o IGPM e o PIB e sem perder de vista o fato de só se falar em "déficit" porque o governo não repassa ao sistema a totalidade das contribuições que lhe são devidas e a cota patronal:

Ano "Déficit" em bilhões de reais pelas contas do governo + IGPM no ano seguinte (%) = Expectativa de "déficit" no ano seguinte pelo IGPM "Déficit" no ano seguinte Resultado Real do "Déficit" da Seguridade Social pelo IGPM 1999 45,4 + 9,95 = 49,91 55,1 Aumento de R$ 5,18 bilhões 2000 55,1 + 10,37 = 60,81 63,0 Aumento de R$ 2,19 bilhões 2001 63,0 + 25,31 = 78,94 71,4 Diminuição de R$ 7,54 bilhões 2002 71,4 + *18,0 = *84,25 **76,0 Diminuição de R$ 8,25 bilhões Tabela 2: ajuste do sistema da Seguridade Social pelo IGPM *estimativa do mercado **previsão do governo

Ano "Déficit" em bilhões de reais pelas contas do governo "Déficit" em % do PIB Variação do "Déficit" em % do PIB 1999 45,4 4,66 -------------------- 2000 55,1 5,0 Aumentou 0,34% 2001 63,0 5,3 Aumentou 0,30% 2002 71,4 5,5 Aumentou 0,2 % 2003 76,0** 5,4** Diminuiu 0,1 % Tabela 3: ajuste do sistema da Seguridade Social pelo PIB **previsão do governo

6) Por que dizer não à uma reforma?
6.1 Porque ela já ocorreu, conforme demonstrado acima.
6.2 Porque o objetivo da reforma é meramente capitalista. Os banqueiros, sobretudo os estrangeiros, capitaneados pelo FMI, querem botar as mãos nesta bolada.
6.3 Porque a proposta do sistema único que o governo tenta impor não melhora absolutamente nada para os servidores da iniciativa privada e piora bastante a situação dos servidores públicos. E quem sairia ganhando, uma vez que em matéria de economia se alguém perde alguém ganha? É óbvio: os banqueiros.
6.4 Porque o sistema atual obriga o servidor público a uma poupança forçada de que ele poderá dispor no futuro. Isto contribui para uma melhor distribuição de rendas no país, ao contrário do que o governo tenta fazer crer.
6.5 Porque o que precisa ser discutido é a melhoria do sistema previdenciário dos trabalhadores da iniciativa privada. Isto sim, é possível e necessário. Lembremos que o teto de aposentadoria do setor privado era antigamente de vinte salários mínimos e hoje não chega a oito. Isto contribui ainda mais para a desigual distribuição de rendas no país e é neste buraco que o governo tenta enfiar o servidor público. Com pequenas mudanças isto pode ser revertido, quais sejam: (1) fixação de idade mínima para aposentadoria, tal qual no serviço público; (2) fixação de alíquota única de 11% (uma alíquota variável entre 7,65 e 11%, como existe hoje, só pode ser encarada como Assistência Social e não como Previdência Social); (3) extensão da contribuição de 11% para a totalidade dos vencimentos do trabalhador, tal qual no setor público.

7) Uma proposta viável
Portanto, considerando tudo que foi dito e pelo fato de a situação brasileira ter chegado ao estado atual, não por culpa dos trabalhadores, mas sim do governo, entendo ser aceitável, não mais que isso, algum tipo de cooperação, leia-se sacrifício, dos trabalhadores, para uma melhoria das contas da previdência social.
O pontapé inicial seria, sem dúvida, o corte de alguns privilégios ainda vigentes.
Além disso, para que a transição entre o antigo e o novo modelo previdenciário brasileiro se dê de forma mais rápida, entendo que seria plenamente aceitável, no modelo atual, que o trabalhador aposentado continuasse contribuindo para o sistema previdenciário. Isto por três motivos principais:

1. No dia em que o trabalhador se aposenta seu salário líquido aumenta, uma vez que ele deixa de contribuir para o sistema. Isso, principalmente no setor público, gera um problema, uma vez que estimula a aposentadoria e gera a necessidade de o governo contratar um novo funcionário (Uma sugestão ainda, seria a criação de um incentivo para o trabalhador que desejar continuar na ativa quando já pode se aposentar. P. ex. adicional de 1% ao ano e redução da carga horária para 20 horas semanais).
2. O trabalhador tem progressões em sua carreira e não contribui, durante todo o tempo, descontada a inflação, sobre o vencimento que ele percebe como aposentado. A contribuição após a aposentadoria, por sua vez, se daria sobre este vencimento.
3. Não houve a formação de um fundo em favor do servidor público, face à inexistência de contribuição obrigatória até 1992, dado ao modelo de Estado implantado por Getúlio Vargas. Tão pouco houve em favor dos trabalhadores da iniciativa privada, face aos constantes desvios ocorridos.
Proponho, portanto, que os aposentados contribuam para o sistema. O servidor público (não vou analisar o caso dos trabalhadores da iniciativa privada, por ser de solução bem mais simples e para não me estender muito) poderia, por exemplo, contribuir após a aposentadoria com um percentual "P", dado por:

P = (35-T+T) x I
2,5 5

Sendo:
P: Percentual de contribuição
T: Tempo de serviço público no dia da aposentadoria em anos
I = 0,2 se vencimento da aposentadoria entre 0 e 5 salários mínimos
0,4 se vencimento da aposentadoria entre 5 e 10 salários mínimos
0,6 se vencimento da aposentadoria entre 10 e 15 salários mínimos
0,8 se vencimento da aposentadoria entre 15 e 20 salários mínimos
1,0 se vencimento da aposentadoria superior a 20 salários mínimos

Cabe esclarecer que, a fórmula acima cria um percentual de contribuição variável entre 7% (para quem trabalhou 35 anos no serviço público) e 12% (para quem trabalhou apenas 10 anos no serviço público) para os aposentados que percebem proventos superiores a 20 salários mínimos.
Observe-se que, embora polêmica e, muitos diriam inconstitucional (basta alterar a constituição), a proposta eliminaria algumas distorções já citadas e traria ainda as seguintes vantagens:

1. Servidores que trabalharam mais tempo na iniciativa privada, contribuindo com valores bem menores para o INSS, teriam que arcar com uma alíquota maior ao se aposentarem no serviço público.
2. Trabalhadores que se aposentam com menos tempo de serviço e que, portanto, contribuem menos e recebem por mais tempo o benefício, continuariam contribuindo, pelo mesmo tempo dos demais. Vejam no item 5 que, em média, no serviço público, o homem contribui para o sistema por 35 anos e goza o benefício por apenas 5,1 anos; mas, a mulher contribui por 30 anos e desfruta do benefício por 17,9 anos. Isto sem dúvida é fator de desequilíbrio no sistema. A lógica é puramente matemática. Se a previdência visa fornecer ao trabalhador aposentado um benefício em virtude de sua contribuição, quem contribuiu com menos, teria, em tese, que receber um benefício menor. Qualquer argumento contrário só pode ser encarado como assistência social e não como previdência social. Corrige-se um pouco esta distorção com a contribuição após a aposentadoria. Além disso, aqueles que ganham menos seriam ainda beneficiados pelo fator "I" da fórmula.
3. Trabalhadores que vivem além da expectativa de vida do brasileiro continuariam contribuindo por toda a vida, tornando o sistema mais sólido.
4. O sistema se auto adaptaria ao crescimento da expectativa de vida dos brasileiros, uma vez que o trabalhador continuaria contribuindo até o fim da vida. Isto evitaria a necessidade de aumentar ainda mais a idade mínima para a aposentadoria, como já está sendo estudado na Inglaterra.

8) Conclusões
Por tudo que foi exposto, finalizo com as seguintes conclusões:
1. Antes de se iniciar a Reforma da Previdência, que não chamaria de reforma, mas de pequenos ajustes, é necessária uma ampla auditoria no sistema.
2. É necessária uma compreensão maior do serviço público e do Estado e seu papel, conforme os parágrafos quinto a nono deste texto.
3. É necessária a eliminação de certos privilégios, tais como: aposentadoria integral para dependentes de servidores falecidos (poderia ser proporcional); eliminação de benefícios vitalícios para filhos e até netos de militares (um benefício criado para amenizar as baixas da guerra do Paraguai e que existe até hoje); acúmulo de aposentadorias de diferentes cargos ocupados no legislativo; aumento do tempo necessário para aposentadoria integral no serviço público, de 10 anos de serviço e 5 no cargo para 20 anos de serviço e 10 no cargo; etc.
4. É viável e aceitável a contribuição do trabalhador aposentado de acordo com o modelo proposto e a maioria dos servidores ativos com que conversei concordam em contribuir, embora alguns sindicatos bradem contra. O fato concreto é que esta contribuição levaria a uma melhoria rápida das contas da previdência social, tornando o modelo vigente auto-sustentável em curtíssimo prazo e colocaria uma pedra no assunto, desmontando o discurso do governo sobre o déficit.
5. O propalado "déficit" de hoje (que não existiria se o governo repassasse ao sistema as contribuições que são desviadas e a cota patronal) é fruto, principalmente, dos modelos vigentes anteriormente a 1992 e 1998 e com estas pequenas mudanças e algumas já implantadas cujos efeitos ainda não se fizeram sentir, o sistema se ajustará no médio prazo, conforme mostram as tabelas 2 e 3 do item 5 deste texto; sobretudo pelo fato de ter sido estabelecida a idade mínima para a aposentadoria no setor público, que fará com que o servidor, considerando-se a expectativa de vida atual, contribua por muito tempo e goze do benefício por pouco tempo.
6. É necessário fixar idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada e elevar a contribuição destes para 11% sobre a totalidade dos vencimentos para que se possa aumentar o benefício neste setor.
7. Alguma mudança é aceitável apenas para contribuir com a transição, já em curso, do modelo antigo, para o novo modelo já implantado. Aqui foram colocadas algumas soluções viáveis. Sem hipocrisia e demagogia, tanto os trabalhadores quanto o governo podem chegar a bom termo.

9) Agradecimentos Finais
Agradeço pelas valiosas contribuições e sugestões dados por inúmeros colegas bem como àqueles que fizeram chegar às minhas mãos materiais que enriqueceram este estudo. Agradeço especialmente aos Auditores Marcelo Enk de Aguiar, David Henrique Segal, Dão R. Santos e Roque Haefliger.

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