Por trás do teto da aposentadoria II

"Eu prefiro ser uma metamorfose ambulante, como dizia Raul Seixas".
Aloísio Mercadante, líder do governo no Senado
A história é implacável. Todos os que abandonaram seus discursos ao passarem para o outro lado do balcão não se deram bem. Essa verdade é ainda mais inexorável na proporção do logro: quanto maior, mais enérgico é o castigo.
O que se observa neste momento no Brasil é para fazer qualquer um enlouquecer. Subestima-se a inteligência dos cidadãos com uma sem-cerimônia inédita. Enquanto exibem propaganda política oficial com a metáfora da demora na reconstrução da casa, apertam o acelerador do rolo compressor da demolição de direitos e sujeição servil ao saco de perversidades imposto pelo FMI desde priscas eras.
No Congresso se discute quem tem mais capacidade de massacre. Já não se fala apenas na maldita "reforma" da Previdência. O obscuro João Paulo Cunha, feito presidente da Câmara por conta dessa lufada de ópio que estonteou a ralé e a classe média, ocupou uma rede de TV para mostrar sua cara e dizer, sem o menor constrangimento, que é hora também de arrebentar com as leis trabalhistas. A figura soturna não teve meias palavras: soletrou com desenvoltura tudo o que se ouviu dantes, pelos lábios macilentos dos arautos do neoliberalismo.
Tudo em nome da "metamorfose ambulante" fulminante que está sendo hipertrofiada a nível de compromisso público. (Raul Seixas falou de suas perplexidades existenciais e mais não disse. Aliás, vale dizer que essa palavra metamorfose ganhou maior uso depois que Franz Kafka, o inconformado escritor tcheco, escreveu livro com esse nome, no qual o homem acordava e descobria que tinha virado uma barata.)
Vale a pena ler de novo
Graças à minha assessora Rosa Tobinaga, pus as mãos numa jóia do pensamento petista antes da metamorfose. É um estudo da Assessoria Técnica da Liderança do PT na Câmara Federal, datado de 5 de junho e assinada por Luiz Alberto dos Santos.
Com a palavra o PT pré-metamorfose:
"O entreguismo e a realidade da previdência no Brasi"
Luiz Alberto dos Santos
"A matéria publicada no 'Valor Econômico' nesta terça-feira (5/6/2001) comentando um eventual documento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE a ser divulgado na próxima sexta-feira (6/6/2001) revela, ao final, como o governo Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Previdência e Assistência Social e técnicos do governo vêm manipulando dados para tentar `mostrar serviço' diante dos credores internacionais e aparentar uma `modernidade' aos seus parceiros nas mesas de internacionais de negociação.
Somente a partir dessa constatação é possível entender porque o secretário de Previdência Social do MPAS, servidor de carreira, lança dados estatísticos comparando os regimes de previdência do INSS e do Serviço Público, e, pior ainda, a situação da previdência brasileira com a situação em países do primeiro mundo.
Ninguém desconhece que o Brasil é um dos países mais injustos em termos de concentração de riquezas e distribuição de renda. Não é surpresa para ninguém que apenas 7% da população economicamente ativa do Brasil percebem remuneração superior ao teto de benefícios do RGPS, hoje fixado em R$ 1.430. A renda per capita brasileira, vergonha nacional, reflete-se na média de benefícios do RGPS, de apenas R$ 270, sendo que dos cerca de 18 milhões de benefícios mensais quase 13 milhões são de apenas R$ 180.
Como comparar, assim, um país que ainda hoje tem uma expectativa de vida ao nascer, e mesmo expectativas de sobrevida, que são acentuadamente inferiores às dos países desenvolvidos. Apenas em vinte anos o IBGE estima que atingiremos o atual estágio de envelhecimento da população que se verifica na França, na Itália e na Alemanha, países onde os valores de benefícios e a média de renda são mais de dez vezes superiores às nossas, e onde o estado de bem-estar foi efetivamente implementado.
Nesses países, idades mínimas de 60 anos para aposentadoria são muito mais facilmente assimiláveis pela população, pois é muito maior o número de idosos que chega a essa faixa etária em boas condições de saúde e com renda suficiente para sua manutenção.
Comparar o regime de previdência dos servidores é também uma temeridade: a renda média dos servidores aposentados, no Brasil, reflete a qualificação média do serviço público, onde mais de 30% têm curso superior. Mesmo assim, essa renda média de aposentados é de apenas R$ 1.700 no Poder Executivo Federal. Valores superiores encontram-se no Legislativo, no Judiciário e na carreira militar, mas isso é reflexo da própria composição da despesa de pessoal nesses órgãos.
Mesmo assim, para fazer jus à aposentadoria integral, o servidor paga uma alíquota de 11% sobre tudo o que recebe.
E, em muitos casos, paga até sobre parcelas que não irão compor seu provento, ou seja, paga proporcionalmente mais do que irá receber. E o montante mensal que paga, capitalizado a juros de 0,3%, caso o governo contribuísse como qualquer empresa privada, seria suficiente para pagar seus benefícios por mais do que o tempo em que estará vivo para recebê-lo. Recorde-se que a reforma da previdência passou a exigir idade mínima de 60 anos para o futuro servidor fazer jus ao benefício de aposentadoria mesmo contribuindo por no mínimo 35 anos. É, portanto, um sistema auto-sustentável.
Não se nega o atual quadro de desequilíbrio, vigente em ambos os regimes: tanto no INSS quanto no regime dos servidores, as necessidades de financiamento decorrem da imprevisão governamental e dos desvios dos recursos arrecadados, que deveriam ter sido capitalizados para fazer frente aos atuais compromissos. Enquanto tais regimes foram superavitários, nada se fez para prevenir o desequilíbrio atual. Agora, questiona-se a sua natureza, a sua justeza, como se fossem regimes de privilégio ou intrinsecamente inviáveis.
O sr. secretário de Previdência Social, mais uma vez, parece estar a serviço de Wall Street ou das seguradoras privadas, ávidas por tomar conta da previdência no Brasil. A Lei Complementar nº 109, promulgada recentemente, abre o caminho para o crescimento do setor privado na Previdência brasileira, mas o crescimento desse mercado depende do sucateamento da previdência dos servidores e dos trabalhadores vinculados ao RGPS.
O servidor e o segurado do RGPS pagam, comparativamente, muito mais pelas suas aposentadorias do que paga um trabalhador europeu ou americano. E, nesses países, eles fazem jus, em média, a benefícios muito mais elevados, além de poderem contar com políticas públicas muito mais amplas e efetivas que lhes garantem compensações além do simples provento da aposentadoria.
No entanto, no Brasil o aposentado tem apenas, para seu sustento, o provento da aposentadoria e a ajuda dos filhos ou parentes. O Estado, grande ausente, só aparece na hora de exigir-lhe que aperte o cinto, que reduza o consumo de energia elétrica ou que abra mão de seus direitos para que o superávit primário destinado ao pagamento de juros e encargos da dívida seja cada vez maior.
Prestaria serviço ao País o MPAS se, ao subsidiar organizações internacionais, fosse mais transparente e sério, elaborando seus relatórios, tabelas e gráficos com dados mais realistas e consistentes. Somente com essa seriedade e transparência ele tornaria menor a baixa credibilidade do governo brasileiro diante do país e da comunidade internacional".

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