O enterro do funcionalismo

Eu sou a pessoa menos indicada para essas reclamações que alguns funcionários públicos estaduais estão tentando fazer por meu intermédio junto ao governo: eles não se conformam que tenham de formalizar um empréstimo junto ao Banrisul para receber seu 13º salário.
Cá para nós, é pegar ou largar. Como a situação é de penúria geral, o conveniente, o aconselhável, o sensato é ir até o Banrisul e autorizar o "empréstimo", sob a garantia de que o governo honrará a sua palavra de que ressarcirá os servidores das prestações.
Sobre isso, acho que não há dúvida. Nenhum servidor terá qualquer prejuízo.
Mas pelo que posso discernir das reclamações que me fazem inúmeros funcionários públicos estaduais, eles se sentem feridos em seu orgulho: acham inadmissível que tenham de contrair um "empréstimo" para verem satisfeito um direito seu inalienável.
E também está implícita na reclamação que me fazem a desilusão de que estão possuídos: se para honrar o 13º salário dos seus servidores o governo tem de recorrer a um truque financeiro, não estará imerso em sombras o futuro do funcionalismo?
É aí que eu digo que não posso servir de intérprete dos servidores. É que a compreensão que tenho para a condição atual e o destino dos funcionários públicos é a mais trágica possível, por sinal já externada nesta coluna: os funcionários públicos estaduais e federais foram literalmente exterminados pela política dos governos das duas esferas, que não reajusta seus vencimentos há oito ou nove anos.
Repito, acabou o funcionalismo público, não existe mais funcionalismo público.
A reforma da Previdência foi apenas a pá de cal sobre a extinção do funcionalismo, ela atingiu mortalmente os futuros servidores, que antes de assumirem estão condenados a condições ultrajantes de sobrevivência, uma vez que, se resistirem até a aposentaria, verão os seus proventos diminuídos brutalmente quando deixarem a ativa, sem o benefício do Fundo de Garantia.
Aí é que surge o supra-sumo da estupidez: pregam os que não acreditam no extermínio (repito, extermínio) do funcionalismo público que cada concurso público que abre recebe milhares de inscritos, então a coisa não é tão trágica como os Paulo Sant´Ana da vida querem pintar.
Incrivelmente não lhes entra na calota craniana que no processo de miserabilização a que o povo brasileiro foi jogado nos últimos anos, um concurso público se constitui numa esmola de atração irresistível.
Pelo amor de Deus, 120 mil se inscreveram para ser lixeiros no Rio de Janeiro! Mas será que não compreendem estes iluminados que ser lixeiro, no auge do desespero existencial, é melhor do que ser lixo humano? O funcionalismo foi varrido do mapa e jogado à miséria quando não reajustaram seus vencimentos durante nove anos completados agora. Aí acabou tudo e pede-se que não enviem flores para o gigantesco enterro.
Vou tentar explicar à burrice dominante. Se aqui na empresa onde trabalho como jornalista não tivessem reajustado meus salários nestes últimos nove anos, eu estaria recebendo hoje, em termos reais, menos 56% do que recebia antes. Porque aqui na empresa em que trabalho meus salários foram reajustados em 130% em nove anos. Estaria na prisão ou na sarjeta.Ao funcionalismo, nada. Nada. Qual é o ser humano que pode resistir, sem se prostituir ou debandar para o crime, ser reduzido em 56% dos seus ganhos em nove anos, com todos os tarifaços. Qual?
Ninguém resiste à extinção. Para que defender então uma classe que já foi extinta e surfa nas ondas da desonra e da inanição?

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