Desculpem-se com FHC e fica tudo como antes

"Lula tem muito pelo que pedir desculpas. Em lugar de dar ao Brasil um modelo econômico novo em folha, ele simplesmente requentou o modelo velho de Fernando Henrique Cardoso. Depois de passar oito anos criticando as propostas de FHC de reforma tributária e da Previdência, ele reconheceu que Fernando Henrique estava certo, afinal."
TED GOERTZEL, professor de sociologia na Universidade Rutgers, Nova Jersey, e autor de "Fernando Henrique Cardoso e a reconstrução da democracia no Brasil".
Não cabe mais dúvida: o governo do PT capitulou feio e está adorando ser manipulado pelo FMI. Nos próximos dias, conforme o combinado, estará enviando ao Congresso seu projeto de "reforma" da Previdência, com o qual pretende entregar os servidores públicos de mão beijada aos banqueiros internacionais.
Para sustentar seus mísseis que, segundo o ministro Berzoini só não detonarão direitos adquiridos se forem barrados na Justiça, Lula está disposto a consumar seu propósito de jogar a sociedade contra os servidores, através de um referendo em que contará com o apoio maciço da mídia, principalmente dos grandes veículos que estão devendo a Deus e ao mundo e precisam do dinheiro público para se segurarem.
Para você ter uma idéia de a quantas chegamos, basta ler a proposta de nova lei de falências, igualmente prometida ao FMI. A diferença básica entre a atual e a nova é que muda o credor prioritário - desde os tempos de Getúlio, que o PT está sepultando sem alardes, o primeiro na fila para receber o que restasse da massa falida era o empregado; com a lei patrocinada pelo príncipe operário, os bancos passarão na frente. Entendeu ou quer mais?
Referendo como arma
Para os jornalistas, o referendo recomendado pelo advogado Saulo Ramos é a carta mais preciosa que Lula guarda na manga. Em artigo no qual reconhecia o direito adquirido dos servidores de forma cristalina, o ex-consultor geral da República deu a receita: "Convém, pois, que se debatam todos estes aspectos enquanto o País está em lula-de-mel.
Qualquer erro contra as garantias constitucionais poderá provocar uma virada para lula minguante, fase que, em geral, provoca tempestades. E ninguém deseja isto ex-corde, isto é, do fundo do coração, nem os petistas que votaram a Constituição de 1988, entre eles o próprio presidente Lula.
Há, porém, um 'jeitinho' de derrubar até cláusula pétrea: o referendo popular, previsto no parágrafo único do artigo 1 e regulado no art. 49, inciso XV, o que dará legitimidade à reforma contra qualquer tipo de direito adquirido em face da Constituição cidadã".
Ao confirmar seu propósito de economizar dinheiro para garantir o pagamento dos juros aos banqueiros internacionais, com a manutenção até o fim do mandato de um superávit primário asfixiante e recessivo de 4,25% ao ano, o governo que já matou a esperança no ninho cristaliza sua guinada pusilânime e converge suas baterias para o desmonte do Estado, através da maceração do seu sustentáculo, o funcionalismo.
Antes mesmo do golpe no Regime Próprio de Previdência, mostrou que não está aí para brincadeira, ao adotar o aumento linear de 1% nos vencimentos, embora saiba, mais do que ninguém, que os servidores vêm sendo tratados a pão e água durante esses anos neoliberais, registrando uma perda de poder aquisitivo superior a 70% só durante o governo FHC.
Os mesmos truques
Ainda no fim de semana, Lula voltou ao expediente desleal, no gênero Collor, de tentar queimar os servidores e aposentados por conta de algumas aposentadorias milionárias, as quais só existem porque o sistema precisa delas para usá-las como paradigmas.
Se o problema fossem tais distorções, bastaria considerar os incisos XI e XII do artigo 37 da Constituição Federal, que tem a seguinte redação:
"XI - A lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, ministros de Estado e ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos estados, no Distrito Federal e nos territórios, e, nos municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo prefeito;
XII - Os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo".
Quando induz o cidadão a acreditar que o País está passando dificuldades por culpa da aposentadoria dos servidores e insiste desonestamente em afirmar que quer apenas fazer justiça ao nivelar por baixo, o governo foge do seu compromisso básico, restaurar os direitos dos contribuintes do INSS e promover a inclusão no sistema previdenciário de 60% da mão-de-obra, que, embora não se sintam nem atraídas, nem obrigadas, a contribuir, irão mais tarde, na velhice, recorrer aos programas de assistência social pública.
Ao assumir o fracasso precoce das políticas sociais, entregues a um monte de pedantes incompetentes, o presidente vai precisar manter o bombardeio sobre os direitos dos servidores. A idéia era engodar os cidadãos com o discurso do combate à fome, simpático até à medula, enquanto compunha vergonhosamente com os banqueiros e sua matriz, o FMI. Como o tiro saiu pela culatra, o presidente e sua troupe mantiveram em cartaz o filme das reformas, demonstrando, ao mesmo tempo, seu comprometimento com o retrocesso em outras áreas.
Na educação, volta à estaca zero, com a proposta de combater o analfabetismo como grande bandeira, ao mesmo tempo em que consolida e ajuda a proliferação das faculdades privadas, ao anunciar como principal providência na área universitária a concessão de 100 mil créditos para alunos pagarem seus diplomas.
Nas universidades públicas, o castigo, com o desestímulo do corpo docente, forçando aposentadorias preventivas e deixando milhares de estudantes sem professores. Ali mesmo, nas barbas do poder, a UNB, que já teve como reitor o atual ministro da Educação, há uma ameaça concreta à conclusão de cursos por falta de quem ministre as aulas.
É uma pena que somente alguns não servidores entendam que a defesa dos direitos e da motivação do funcionalismo é muito mais do interesse da sociedade, principalmente dos que dependem dos serviços públicos, do que dele mesmo. Pare para pensar e você verá quem é o servidor que está sendo fuzilado: é o médico, o professor, o pesquisador, o guardião de nossa soberania.
Tirando o corpo fora
Para se proteger do ônus dessa indignidade maligna, Lula deu para dizer que não apita nada. Primeiro, alegou que sabe pela televisão dos aumentos escorchantes autorizados para concessionárias de serviços públicos. Outro dia, foi mais além, ao declarar textualmente, sem meias palavras, que "ministro manda mais do que presidente". Ao pronunciar tamanha heresia, ele também mostrou o próprio limite do seu conhecimento, ao confundir os países ricos com países em vias de desenvolvimento.
Nada mais grave. Ao renunciar ao comando do País, procurando ser "humilde e simpático", o metalúrgico está passando recibo de despreparado para as mais altas funções públicas de uma nação. Não precisa que ele seja um poliglota e nem um doutor em álgebra. Mas é fundamental que aquele em quem votaram os descontentes com o governo FHC procure se informar melhor, antes que perca o respeito e caia no folclore político, como aconteceu com o presidente Eurico Dutra. Saber o que fazer no governo é exigência primária para quem pretende conduzi-lo.
Se juntarmos essas limitações com o deslumbramento explícito diante da corte dos poderosos, estaremos sujeitos a uma sucessão de vexames e embustes aos mais fracos, que não são temidos como os que controlam a economia e são insaciáveis.

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