Déficit ou incompetência?

Custa a crer que um ministro, por mais estranho ao quadro que seja, cometa a imprudência de declarar que, para respeitar o direito adquirido consagrado pelo artigo 60 da Constituição, o servidor teria que descontar 60% dos seus vencimentos. Diz-se que os médicos nunca foram bons de tabuada. Mas não precisava se expor a tanto. Até porque há números disponíveis nos arquivos dos seus correligionários que demonstram "a falácia do discurso neoliberal sobre a manipulação do déficit previdenciário".
O que está acontecendo, creio, é que o tamanho do desafio transformou o novo governo em refém da perniciosa aliança entre a tecnocracia e o "mercado", ambos movidos pelo sistema internacional. Há um sentimento cristalizado de que é muito cedo para criticar Lula e seus pares. Mas também não é cedo para endossar de cara o projeto herdado e condenado até há pouco por ele mesmo?
Quem observa a campanha orquestrada para fuzilar a aposentadoria integral dos servidores públicos percebe que falta coerência por todos os lados. Uma hora, alegam a existência de um "rombo"; outra hora, dizem que com o achatamento do benefício vai sobrar dinheiro para a assistência social aos famélicos.
Nivelar por baixo por quê?
Estabeleceu-se como premissa que fazer justiça é rasgar os contratos dos civis e militares no meio do caminho. Em nenhum momento, ao contrário do palanque, falou-se em resgatar a dignidade dos celetistas, que já tiveram um teto de 20 salários mínimos e foram sendo esmagados na proporção inversa do aumento da corrupção e das fraudes.
Como o uso da palavra "privilégio" deu certo, a impunidade sobrevive nos novos tempos. Em nenhum momento, questionou-se os rombos decorrentes da malversação do dinheiro da Previdência. Há um estudo da acadêmica Maria Augusto de Albuquerque Mello Diniz, da Universidade Católica de Pernambuco, que chega a uma conclusão assustadora: de cada 10 benefícios do INSS, 4 são fraudados.
A verdade é que repetem o "remédio" dos neoliberais por absoluta incompetência. O fiscal de rendas Otávio Mancini Soares, de Minas Gerais, mantém uma página na Internet (http://www.geocities.com/refazenda2010) em que reúne um valioso acervo de informações sobre a questão. Ali, além de seus próprios e bem fundamentados comentários, é possível pesquisar documentação farta e honesta a respeito.
Privatizar é o que querem
Lá, encontrei um discurso do deputado Sérgio Miranda (do PC do B-MG), pronunciado recentemente, em que assinala: "O que nós percebemos, numa visão a médio prazo, é que daqui a dez anos o teto se igualará ao piso e, então, teremos uma previdência básica de um salário mínimo. Essa é a condição necessária para que todos os trabalhadores do setor privado procurem complementar as suas aposentadorias: filiando-se a algum sistema de aposentadoria privada. E foi essa a lógica que orientou a reforma do regime geral da previdência do setor privado: criar um patamar mínimo cada vez mais restrito e fortalecer a idéia de os trabalhadores se dirigirem ao setor de previdência privada. Procura-se, agora, adequar o setor público a esses princípios e não procurar uma equivalência onde se busque o melhor para todos. Para isso, recorre-se a falácias".
Em outro trecho, o parlamentar lembra: "O mais grave - sem levar em consideração as mudanças de teor demográfico, maior taxa de longevidade e menor taxa da natalidade -, e o que mais penalizou o Sistema Previdenciário Brasileiro, entretanto, foi a profunda alteração sofrida no mercado de trabalho: o crescimento do desemprego, da precarização, da informalização - tudo isso criou um impacto profundamente negativo sobre a Previdência Social. Esses são os problemas a serem enfrentados, pois têm causado enorme queda da massa salarial, exatamente sobre o que são calculados os principais tributos que dizem respeito à Previdência Pública".
E ressalta: "Devemos levar em conta a enorme massa de excluídos da Previdência. Os dados, Sr. Presidente, são escandalosos. Hoje a taxa de excluídos da Previdência Social em relação à população ocupada no setor privado cresceu de 53%, em 1985, para 62%, em 1989, o que significa mais de 40 milhões de pessoas.
Pior ainda é a composição social desses excluídos: entre os 35 milhões de brasileiros mais pobres estão excluídos da Previdência 96%. E chamo a atenção para o fato de que esses excluídos se encontram principalmente nos grandes centros urbanos. São pessoas que não terão direito a benefício previdenciário e, portanto, serão obrigadas a pleitear a um benefício assistencial.
Por que se exclui da Previdência a enorme massa de desvalidos, que estão no trabalho informal? Mesmo os que ganham menos de um salário mínimo precisam contribuir com no mínimo 20% de 200 reais, ou seja, com 40 reais por mês. Valor muito alto nessa faixa de renda. E como podem ainda contribuir os que não têm sequer um trabalho formal?".
Como não sabem por onde começar em relação ao quadro humilhante das aposentadorias e pensões dos celetistas, desviam as atenções para os servidores, esquecendo - vale lembrar de novo - a natureza do seu contrato e a própria condição do seu "empregador". Para isso, jogam pesado a respeito de um suposto déficit, cujos valores já contestei aqui.
Quem financia quem
Vale recorrer a outro deputado, o petista paranaense Paulo Bernardo, quando presidia a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, em 1998. Segundo ele, em 1997, o Tesouro transferiu para a Seguridade Social apenas R$ 1,2 bilhão dos R$ 19 bilhões que deveria repassar para cobrir as despesas com inativos da União. Os gastos da União para com seus inativos subiram 26% de 1995 para 1997, enquanto as transferências de recursos do Tesouro caíram 90%, passando de R$ 11,6 bilhões para R$ 1,2 bilhão no mesmo período.
A queda foi contínua nos últimos anos, ao contrário dos argumentos do Governo de que as transferências vêm crescendo e de que há déficit no orçamento da seguridade. Até 1996, segundo estudo da Assessoria de Orçamento da Câmara dos Deputados para a Comissão, o Tesouro financiava a Seguridade, mas a partir de 1997, regras da contabilidade permitiram ao governo tirar dinheiro da Seguridade para financiar outras despesas da administração pública. Em 1997, foram retirados R$ 2,7 bilhões e em 1998, R$ 3,2 bilhões.
"O discurso utilizado pelo governo, que afirma financiar o déficit da Previdência, do orçamento da seguridade, é falso. Na verdade, os recursos da Seguridade vêm financiando, crescentemente, despesas do Tesouro. É cada vez menor a transferência de recursos fiscais para o pagamento de Encargos Previdenciários da União (EPU). O governo vem valendo-se do crescimento na arrecadação das fontes da Seguridade, inclusive da CPMF, para desobrigar-se de sua responsabilidade. O tão propalado déficit não é da Seguridade, mas do Tesouro", afirmou o parlamentar do PT paranaense.
Hoje, disponho de amplo material para demonstrar, sem medo de errar, que a reforma da previdência que um governo vindo da esquerda deve preconizar é a que devolva a dignidade aos segurados do INSS. Falo isso com a responsabilidade de quem também tem um mandato popular no Rio de Janeiro, cidade em que a Previdência, bem administrada, pode oferecer aos servidores, neste momento, além da aposentadoria integral e um amplo programa de financiamentos sociais, uma ajuda de R$ 200,00 por criança para a compra do seu material escolar.

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