Carta aberta ao presidente Lula Depois de 8 anos de FHC, funcionários não querem sofrer mais

Senhor Presidente
Triste e decepcionado, devolvo-lhe, em anexo, o botão que usei na lapela desde a primeira vez que o senhor se candidatou à Presidência do Brasil.
Faço isto por constatar que o idealismo do candidato e do PT não resistem ao poder alcançado. Já se constata no ar o odor do poder econômico frio, impessoal e prioritário, cuja força balança as prometidas metas de justiça social.
Sinto isto na pele.
Tenho 71 anos e sou Auditor Fiscal do INSS aposentado. Sofri durante oito anos o massacre do governo passado sobre a minha tranqüilidade familiar e financeira, ao fim desse tempo havia perdido quase 75% do poder aquisitivo dos meus vencimentos e passado pelo ininterrupto pavor de novas medidas jogando-me na velhice empobrecida.
ENTRETANTO, após sua vitória, decidi que seria minha obrigação moral aceitar algum sacrifício pessoal em benefício do bem-estar geral e disse a todos os colegas - aposentados e na ativa - que tínhamos de dar a nossa cota, apesar do massacre da era FH.
Porém, meu espírito cívico assim como os dos meus colegas funcionários públicos, está sendo substituído por revolta e até mesmo pela raiva, pois o seu governo procura convencer a opinião pública que o funcionalismo público é o câncer mortal que se não for extirpado matará o Brasil. Mais uma vez viramos "boi de piranha" político. Mais uma vez somos o "bode expiatório" usado para afastar a atenção do povo do verdadeiro câncer mortal que é composto da imobilidade oficial quanto à prioridade pelas reformas tributária, judicial, política, agrária, parlamentar, econômica, financeira etc., etc.
Vejamos algumas das realidades desabonadoras em torno da "prioridade" pela reforma da Previdência, a toque de caixa:
1) não há legislação no Brasil para garantir que os sistemas privados não fujam com o dinheiro que foi depositado com sacrifícios por alguém durante anos;
2) é impossível para o funcionário público, a menos de 10 anos da aposentadoria, conseguir contribuir para um sistema privado e obter um ganho decente;
3) é impossível para o indivíduo entrando na meia idade ser aceito no sistema de previdência privada, sendo ABSOLUTAMENTE IMPOSSÍVEL para um idoso JÁ APOSENTADO complementar renda por um sistema privado;
4) apesar dos editoriais da imprensa reconhecerem a carência de Fundo de Garantia para o funcionário público, declaram de forma hipócrita que isto é um problema pessoal e não é maior que o interesse da coletividade (funcionário público não é coletividade através do seu número elevado? Onde está o social?).
5) Contrário ao propalado, os aposentados do serviço público PAGAM SIM tributação federal. Eu, por exemplo, apesar da lei (genérica) dizer que estou isento do Imposto de Renda por ter 71 anos, sou descontado uma fábula mensalmente, além de incontáveis outros descontos no meu contracheque;
6) enquanto o país é motivado pelo governo para fazer a reforma da Previdência com base no massacre do funcionário público, nada ou quase nada se ouve sobre providências para obrigar as grandes empresas e outros tipos de empregadores a recolherem o que devem ao INSS (em outras palavras, aos aposentados).
Nada se ouve sobre programas prioritários contra a imensa corrupção, juntamente com os grandes sonegadores, os reais responsáveis pelo déficit da Previdência. Tampouco, há iniciativa no sentido de dar melhores condições de trabalho e de futuro profissional aos funcionários;
7) enquanto o governo atual declara que os militares e os juízes são intocáveis (como se não constituíssem também fatores do déficit financeiro federal, estadual e municipal) por terem suas posições respaldadas por sistema constitucionalmente democrático (disse o novo ministro da Previdência), propositadamente omite-se que os direitos dos funcionários também foram obtidos por meios constitucionalmente democráticos;
8) no processo massacrante - e hipócrita - desconsidera-se que o funcionário aposentado não raramente - mesmo - carrega familiares nas costas, diante do crescente desemprego e da inflação real (omitida nos números oficiais). Eu, por exemplo, passo mais da metade dos meus vencimentos para os três filhos adultos, para que possam dar atenção familiar, educacional, etc. aos seus filhos. No campo da saúde, gasto muito com medicações caras (e encarecendo), coisa quase inevitável na minha idade;
9) é "golpe baixo" pretender estabelecer os parâmetros da reforma da Previdência através de consultas à população, pois o governo sabe que durante anos a opinião pública foi doutrinada contra a classe - que sem dúvida é criticável em muitos aspectos - como se cada um fosse um vagabundo ocioso, nomeado por pistolão.
O governo SABE que esta verdade negativa é minoritária mas ela é generalizada, criando-se assim, o fator psicológico máximo que resultou em uma população antagônica, inclusive por inveja inconsciente, visto que com o desemprego e a insegurança profissional geral em alta, predomina a síndrome de que "se eu não tenho, não quero que o outro tenha".
Portanto, consultar a opinião pública é um jogo de cartas marcadas, sabendo-se que ela será majoritariamente contra o funcionário público aliás, uma enquete recente resultou em mais de 85% das pessoas respondendo que os funcionários devem perder seus direitos adquiridos).
10) O ministro da Previdência declarou-se a favor de mudar o sistema de reajuste dos aposentados, sabendo que com a inflação real, em pouco tempo terá mais uma legião de velhos pobres e mais doentes, sem que, com isto, haja benefício significativo para os cofres públicos;
11) caso o próprio governo recolhesse o que deve à Previdência, melhorasse as condições para que houvesse mais carteiras assinadas e contribuindo, reduzisse o desemprego, aumentasse o poder de fiscalização dos auditores (que atuam sem um milésimo da organização e do poder legal dos seus colegas da Fazenda), racionalizasse o custo operacional do INSS, evitasse que o Tesouro sugasse - por vasos comunicantes - as verbas do sistema e cobrasse os milhares de aluguéis inadimplentes dos imóveis da Previdência, jorraria dinheiro na Previdência, mas... é mais fácil e conveniente usar o funcionário público com câncer responsável, como bode expiatório e como boi de piranha.
Senhor Presidente, eu e muitos brasileiros - funcionários públicos ou não - jamais esperávamos o que começa a ocorrer, além do neomassacre do funcionalismo público: a traição dos princípios que levaram o PT e o senhor ao comando do país; a repetição - agravada - da política (disfarçada) da era FH; a gradual anexação do país ao poder dos banqueiros nacionais e internacionais, dos grandes empresários e políticos insensíveis ao povo.
Ressalvo: não sou um nacionalista xiita. Sou mais um brasileiro querendo apenas que a bandeira brasileira que vinha sendo desbotada voltasse a ter suas cores revitalizadas e autenticadas. Estou com raiva, estou decepcionado. Eu e um número crescente de pessoas, funcionários públicos ou não. Sinto-me palhaço, sinto-me ludibriado, sinto revolta. Não sinto brasilidade.
FH traiu seu ideais e irá para a história pela auto-traição ideológica e ao patrimônio nacional. Caso o seu governo faça o mesmo, deva se lembrar que a raiva de ex-partidários é muito pior do que a raiva dos que nunca foram aliados e solidários.
Gostaria de um dia usar novamente outro botão "Lula PT" na lapela e poder dizer que a minha revolta expressa nesta carta não teve fundamento. Mas, hoje, isto não é possível, não apenas por causa da demagogia do "NEOMASSACRE" do funcionalismo como também devido ao gradual retorno da socialmente nefasta política econômica que DEU o Brasil de presente, durante os últimos 8 anos.
Cuidado, senhor Presidente, decepcionar um povo que o levou ao poder com amor, esperança e confiança pode ser mais perigoso que mil FMIs, incontáveis inimigos nacionais e internacionais e doenças terminais.
Espero que este meu velho botão o leve a pensar melhor antes de transformar o seu governo em mais um insensível instrumento de poder para destrinçar as carcaças de milhares desprovidos de poder próprio".
Respeitosamente,
EMMANUEL NERY
Rua Gustavo Sampaio, 738, apt. 410 - Leme - Rio de Janeiro-RJ.
CEP: 22010-010
Identidade: 1601050-6 (IFP)
Tel.: (11)542-8835

PS - A carta acima, muito bem escrita, respeitosa, sofrida, meditada, é assinada por um funcionário, mas representa milhares, dezenas de milhares de vozes. Não é advertência e sim alerta. Curiosamente, o governo desmorona enquanto o presidente se fortalece.
PS 2 - Também não foi por acaso, que o ÚNICO ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO que recebeu diretamente cópia da carta aberta, foi esta Tribuna da Imprensa, e este repórter. Concordo com cada item, cada colocação, cada parágrafo, cada linha, cada palavra.
PS 3 - Neste País, é preciso explicar: não sou funcionário, nunca fui, mas tenho a certeza de que o funcionalismo (não confundir com nepotismo ou paternalismo) é o esteio do Estado. Portanto, não reivindico em causa própria.
Via: Neciel Alves de Amorim - "Seu Nonô" - Secre/Neciel - neciel.amorim@bcb.gov.br.

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