Com as aposentadorias deles, ninguém vai mexer

"Será que o presidente Lula considera JUSTO e ÉTICO ser presidente durante APENAS quatro anos e receber aposentadoria integral e vitalícia ao fim do mandato? Alguma vez o presidente fez referência a essa aposentadoria ainda que fosse para justificá-la?"
Laércio Cabral Lopes, professor adjunto aposentado da UFRJ
Procurei, com a lanterna na mão, encontrar alguma referência no famoso acordo de Lula com os governadores sobre suas próprias aposentadorias. A pilha acabou e não achei uma única palavrinha. Nem sobre as aposentadorias integrais garantidas aos chefes dos executivos após alguns meses de mandato, nem sobre os benefícios oferecidos aos deputados, que têm o "sagrado" direito à aposentadoria proporcional a partir do primeiro mandato, privilégio (isto sim é privilégio) de que se serviu ainda há pouco Carlos Minc, o líder do PT na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Não sou caçador de "marajás, vagabundos ou privilegiados", mas não engulo caras-de-pau. Nada me ofende mais do que o deboche. E não há outra palavra que expresse melhor o repeteco do velho adágio: faça o que digo e não o que faço.
Será que a idiota do comercial de TV pago com dinheiro público não gostaria de perguntar ao ator que alugou sua imagem sobre os privilégios dos presidentes, governadores, congressistas, ministros e asseclas? Que cálculo atuarial sustenta a aposentadoria integral que pode ser concedida até por meses de exercício do cargo?
Nesses privilégios não se fala
Se não estou enganado, o privilégio dos presidentes pode ser dado com menos de um mês de mandato. Lembro que, durante o governo Sarney, o deputado Ulisses Guimarães, presidente da Câmara, teria direito à aposentadoria integral com os vencimentos de presidente da República se ficasse 12 dias sentado no trono. Esse benefício após apenas 12 dias como presidente é tão absurdo que me nego a confirmar. Quem sabe, entendi mal a notícia que ouvi na época.
Mas tenho certeza de que um chefe de Executivo não precisa nem completar os quatro anos de mandato para sair com o seu garantido para o resto da vida. Faz pouco, ao se desincompatibilizar para concorrer à presidência, em abril de 2000, o ex-governador Garotinho fez jus a tal prebenda num processo sumário de 48 horas.
Debrucei-me sobre essa incoerência indisfarçável a partir do e-mail que recebi do professor aposentado Laércio Cabral Lopes. A classe política perdeu noção dos valores comezinhos, não tem mais escrúpulos. Comporta-se como uma hidra autofágica. Seu desprezo pelo compromisso desfigura o que seria a mais nobre das missões, o exercício leal do mandato conferido pelo povo. A sensação de poder efêmero, que precisa ser fruído instantânea e sofregamente, exerce um domínio impetuoso sobre suas atitudes. Não há mais freios, nem referenciais.
O presidente da Câmara Federal, João Paulo Cunha, medíocre, despreparado, provinciano, boçal, fez questão de declarar sem o menor constrangimento: "Ficamos contra não porque estávamos disputando um ponto específico da reforma, estávamos disputando o Poder no País." O homem mais importante do PT na Câmara Federal disse assim, sem enrubescer, sem pestanejar, que sua turma só queria jogar para a platéia a fim de absorver os sentimentos dos descontentes.
Essa mesma súcia vai promover o estelionato eleitoral com a maceração dos direitos dos aposentados, pensionistas e, em especial, dos servidores públicos. Isto, como poderá dizer o João Paulo, não por convicção, mas pelos mesmos motivos fisiológicos dos antecessores. E quando a gente fala em fisiológicos, tem que dizer com todas as letras - isso tem truta, quer dizer, tem jogo pesado.
Com dinheiro do Banco Mundial
Em sua coluna de ontem na "Folha de S. Paulo", Jânio de Freitas identifica um valhacouto de interesses espúrios por trás da política seguida pelo governo. Ele parte, aliás, de um desabafo da economista petista Maria da Conceição Tavares, que declarou, dia 21 de abril ao mesmo jornal:
"Dentro do programa (divulgado pelo Ministério da Fazenda) há gente infiltrada que escreveu uma porcaria chamada Agenda Perdida (documento escrito pelos economistas José Alexandre Scheinkman, Ricardo Paes de Barros e Marcos Lisboa), feita por um grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro. Não são tão débeis mentais porque, além de fazer a Agenda, montaram um instituto, que é uma ONG, que recebe em torno de US$ 250 mil do Banco Mundial para fazer o tal estudo especial para focalizar... Quiseram vender a Agenda para o PMDB, que não comprou, fizeram o mesmo com o Ciro Gomes".
Jânio relatou: "Marta Salomon, que figura no pequeno grupo dos melhores repórteres brasileiros, trouxe a resposta à segunda questão. O secretário de Polícia Econômica, Marcos Lisboa, que mandara a esta coluna correspondência negando os vínculos que a entrevista lhe atribuíra, tem mais do que simples vínculos. Integra o conselho de administração do instituto, Iets, que, além de financiado pelo Banco Mundial e outras entidades internacionais, como o Banco Interamericano, recebeu também altos valores do governo passado.
Só no último ano e meio do mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Iets recebeu pelo menos R$ 3.425.957,00, o equivalente a 17.130 salários mínimos. Na correria de fim de mandato, dois pagamentos, nos dias 20 e 27 de dezembro, somando R$ 812.057,00, ou 4.310 salários mínimos. Tudo tão transparente, que os integrantes do Iets hoje na cúpula do governo e seus associados preferiram não publicar os exigidos balanços correspondentes a 2001 e 2002.
Pelo valor já verificado, e não é todo, a obra do Iets para o governo deve ser de gênios.".
No discurso que fez em Pernambuco no sábado, Lula já deu as coordenadas do seu projeto sinistro. A "reforma" da previdência prometida ao FMI é só o primeiro passo, como, aliás, está nos documentos oficiais. Depois de exortar a platéia a se mobilizar contra os adversários de suas propostas, ele disse para quem quisesse ouvir: "Na vida, de quando em quando, a gente descobre que tem coisas superadas, que tem coisas que no começo eram maravilhosas, mas o tempo se encarregou de defasá-las. E nós precisamos ter competência de modernizar aquilo que já não é mais um modelo ideal, seja de tributo, seja de relações trabalhistas, seja de estrutura sindical e de qualquer outro assunto."
Depois dessa, ainda aparecem uns e outros para dizer que é preciso poupar o governo Lula porque o seu fracasso respingaria sobre toda a esquerda. Esse tipo de raciocínio é típico de quem encobre seus próprios sonhos de participar da festa do poder. Porque, a rigor, a partir do dia em que entregou o Banco Central ao homem do BankBoston e compôs um conselho com a nata da classe dominante (a exemplo do Conselho dos 40 de Mussolini), Lula já disse ao que veio. Quem quiser arranjar desculpas para continuar esperando uma sobrinha da corte, que assuma essa motivação, mas não me venha de conversa fiada, que já não pega.

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